Violência Gratuita (Funny Games U.S., 2007)

“Não se esqueça da importância do entretenimento.”
Paul.

Devo começar comentando os maravilhosos títulos em português que a maioria dos filmes, séries e livros recebem no Brasil. Desde os tão modificados até os mais irrelevantes, só pra citar o filme The Happening que muda totalmente de sentido quando adaptado para o título sem nexo nenhum, Fim dos Tempos. Nesse caso do Funny Games U.S. a adaptação pode até chamar mais atenção que a tradução literal, mas de forma alguma chega perto de passar a essência do filme que o título original passa. A violência presente no filme é gratuita? É. Mas não é por isso que os personagens fazem o que fazem, não é por falta de pagamento ou punição, é por prazer.

O filme, produzido em 2007, é escrito e dirigido por Michael Haneke, que resolveu dá um ar diferente ao filme, incrementando-o com fantasia. No elenco temos a conhecidíssima Naomi Watts que contracena com Tim Roth, Michael Pitt, Brady Corbet e Devon Gearhart. Das atuações não se pode dizer que são as melhores, mas os atores conseguem passar o ar sádico e divertido proposto pelo diretor.

O filme poderia ser resumido como um thriller em que uma família em férias é visitada inesperadamente por dois jovens com alguma perturbação mental grave. Eles transformam o descanso dessa família em pesadelo fazendo-os parecerem brinquedos em suas mãos. As vítimas são forçadas a coisas inimagináveis, onde têm que enfrentar seus terrores e esforçar-se para manterem-se vivos. A fotografia do filme não é das mais bonitas, mas causa estranhamento pela forma como é colocada. As cenas focam mais o ambiente, objetos e coisas, bem mais que os próprios personagens. Isso gera um estranhamento em quem assiste, é uma forma de insinuar que o meio influencia nas ações das pessoas?

Durante o filme têm-se a sensação de que não há uma boa justificativa para o que está se passando, e que o roteiro está mal construído da forma que as coisas andam, mas com a imprevisibilidade do final, nota-se que tudo se encaixa e obedece a um ciclo. Diagnosticar os garotos como psicopatas pode até servir de consolo para quem sente nojo de suas ações, mas a psicopatia muitas vezes é usada como diagnóstico errado, não cabe a mim a tarefa de tentar inferir juízo sobre a sanidade mental dos personagens, mas devo dizer que esse desejo de diversão pode ter uma gênese diversa, e se for de acordo com alguns elementos do filme, desconhecida.

Se o filme é muito forte, provocativo, insano e cruel, por outro lado é bem cômico e pode ser que o diretor queira que você ria da desgraça alheia enquanto se desespera junto com os personagens. Um exemplo disso é a cena em que Naomi Watts pega uma arma e atira em um dos jovens, e o outro rapaz se desespera por ter perdido o parceiro e então corre em busca de um controle remoto e volta toda a cena, e então modifica tudo impedindo que o tiro seja disparado. É uma cena sem explicação que desgraça a vida da personagem de Naomi, mas que faz quem assiste soltar gargalhadas até. A princípio é inacreditável que isso esteja acontecendo no filme, dá pra se pensar que é um erro no aparelho que esteja rodando o filme, embora sejamos obrigados a acreditar que algo tão sem sentido esteja acontecendo em um filme tão psicológico. Essa é uma das dicas de que tudo pode ser apenas um bando de palavras transpostas de um roteiro que talvez também seja por completo sem sentido. Se, como um dos personagens diz, tudo é pelo entretenimento, devo dizer que vale a pena ver esse filme, mesmo que apenas por esse motivo.

Trailer:

8 comentários

  1. Devo dizer que discordo de você em quase tudo o que disse. xDDDD Esse filme tem um excelente roteiro, excelentes atuações e não é nada fantasioso. O que pode ser confundido com fantasia advém da linguagem própria do Haneke. O filme inteiro se trata de uma grande ironia, uma grande crítica ao cinema e a espetacularização da violência. Daí, a fala de um dos personagens “tudo pelo bem do entretenimento(ou da audiência, em outras traduções em legendas que vi por aí)”. Aliás, isso é bastante sublinhado o filme inteiro. Haneke cria uma relação de cumplicidade entre psicopatas e espectadores do filme, ao fazer os dois rapazes interagirem com a câmera à todo momento. Ora, com quem mais Michael Pitt poderia estar falando além de nós mesmos? Pra quem ele pisca o olho quando Naomi Watts está procurando o cachorro morto? Pra mim que tô vendo o filme. O objetivo do Haneke ao fazer isso é mostrar nos colocar como cúmplices da violência já que nos comprazemos tanto assistindo à programas policiais e filmes violentos. A cena do controle remoto é uma espécie de recurso anti-ilusionista. Isso não é muito comum no cinema norte-americano, mas cineastas europeus adoram fazer isso(Haneke é alemão, se não me engano). Fazendo uma comparação… a gente está sempre acostumado a ser trazido pra dentro da realidade do filme, como se aquilo fosse o real, o verdadeiro(esse é o modelo padrão hollywoodiano). Mas existem cineastas que desconstroem essa ideia mostrando no próprio filme que aquilo é ficção, que é apenas uma história, não é a realidade. Por isso achamos estranho quando a cena para e dá uma rebobinada. Afinal, esperamos que a história evolua normalmente. Em outro sentido, como você bem colocou, a cena do controle remoto serve pra mostrar a implacabilidade do destino das vítimas. Não, eles não irão se salvar. Eles vão ter mais violência, vão sofrer mais. Porque o filme ainda não acabou e precisamos dar mais entretenimento à audiência. The end. =]

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    • Olá Cassinha, a quanto tempo vc não comenta aqui né?
      Para mim é sempre um prazer ter um comentário de uma exímia cinélifa como vc é.
      Discorda de mim? Que bom! [sabes que adoro opiniões diferentes.]
      Ao ver seu comentário pensei: “Pronto! a Cássia fez outra resenha, rsrsrs”
      E o detalhe é que sua “resenha” aí acima é bem mais entendida que a minha. Eu como iniciante nessa aréa agradeço muito pelos seus “esclarecimentos”.
      Como já deve ter notado minhas resenhas sobre filmes são na maioria das vezes expressões das minhas impressões. Sendo que na maioria das vezes dou uma dentro ou não.
      Adorei sua visão, e das entrelinhas do filme expostas por vc.
      Não reportarei aqui minhas impressões pois serei repetitivo, e como quem ler esse comentário já deve ter lido o texto acima não farei aqui uma discussão da qual apenas nós dois participamos.

      Achei excelente a parte em que os personagens conversam abertamente com o telespectador, e sem a devida atenção isso até passa despercebido.
      Sua visão diferente só me trouxe a mente uma única conclusão: Esse é um filme que se deve ver mais de uma vez!

      Bom, então e isso.
      Muito obrigado por seu comentário, se a cada post eu tivesse um comentário seu já seria o suficiente para alcançar o próposito desse blog.

      Obrigado amiga!
      Saudades

      Ps: Visitem o “Cinema e Cenas” na lista de links ao lado ->>>

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    • Esqueceu de dizer que as roupas brancas utilizadas pelos “psicopatas” (entre aspas, pois eles representam uma metáfora de nós, espectadores) representam a paz, ou seja, o diretor tende a ser irônico ao utilizar o branco para simbolizar os “rapazes”… Obs: Gostei da aposta que eles fazem com a família e o diálogo que têm com o público, prevendo que estaríamos torcendo por um final “de qualidade”. Achei o filme INTERESSANTE, seria essa a palavra mais correta para defini-lo, ou vocês aí do outro lado do PC não concordam comigo?

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      • Oi Rodrigo,

        Primeiramente obrigado por comentar. Muito interessante esse seu comentário sobre as roupas dos rapazes, é um detalhe que faz todo o sentido.
        O filme permite enes reflexões, talvez seja por isso a necessidade de assisti-lo várias vezes. Eu mesmo sou a prova disso, na primeira vez que assisti achei péssimo por não entender as nuances e propósitos do Haneke. Hoje sou fã de carteirinha do cara.

        Volte sempre, aguardo seus comentários.
        Abraços

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  2. É o filme MAIS LIXO que eu já assisti em toda a minha vida! Eu já assisti a mais de 1400 filmes e sou cinéfilo assumido e me falta memória ao tentar encontrar um filme TÃO RUIM como este! Falta ação, falta enredo, as tomadas de câmeras são péssimas e a maior parte do tempo de filme o expectador fica fora da história sem conseguir assistir a cena q se passa!

    Foi o tempo mais desperdiçado de toda a minha vida, e quem fala aqui neste forum que esse filme é bom ou diferente ao ponto de se tornar atraente também DEVE GOSTAR DE COMER MERDA!

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    • Você viu mais de 1400 filmes? Que tipo de filmes? O Senhor dos Anéis? LOL

      Michael Haneke, antes de cineasta, é filósofo. Todos os movimentos [ou falta deles] de câmera que ele faz são milimetricamente pensados para criar um determinado sentido. Aceito que se detone este filme, mas com base na ideologia que ele propõe. Dizer que o filme não tem enredo ou que ele exclui o expectador do processo são coisas tão absurdas que só podem ser ditas por alguém que não compreendeu a ideia proposta pelo filme.

      E, sim, se achar o filme atraente e gostar de comer merda são sinônimos pra você, então vou preparar um prato cheio de merda ali e cair de boca em cima.

      Agora, cinéfilo, vai lá ver mais 1400 filmes, ler bastante sobre cinema e linguagem cinematográfica. Você precisa.

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  3. Eu definiria esse filme como uma porrada psicologica.
    E é realmente maravilhoso.
    Eu diria que, o efeito de rebobinar a camera tem tambem outro proposito: uma pergunta inconsciente que a gente acaba fazendo. Algo como “Por que eu deveria sofrer pelos personagens se é só um filme?”
    Eu acho maravilhoso conversar sobre esse filme com as pessoas porque eu escuto fãs de Jogos Mortais reclamando da violencia. O sensacionalismo do cinema atual se tornou tão controlador, que acho que as pessoas nem percebem o quanto elas apreciam cabeças rolando e batalhas sangrentas.
    Ao pergunta-los qual a diferença entre os filmes, sempre me vem a mesma resposta: Esse filme soa muito mais real. Jogos Mortais é tudo ficção.
    E eu acabo ressaltando os mesmos pontos: Atores falando com a camera, filme rebobinando? Isso é real pra você?
    De fato, é um filme espetacular e vale ser visto mais de uma vez pra evitar alguns tipos de critica sem fundamento. Eu já ouvi todo tipo de coisa em relação a ele, inclusive gente metendo o malho.
    A esses, meu conselho é simples: estude filosofia, abra sua mente, e quando você de fato entender o filme, nós conversamos.
    Curti a resenha, só nao concordo em alguns pontos
    E eu daria a dica de que você assistisse a versão original. O terror explicito no filme de 97 e a forma muito mais impiedosa como se dão os fatos, mostra que até o genial Haneke pode ser influenciado pelo autoritarismo americano. haha

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    • Oi Julia,
      Nossa, obrigado mesmo pelo seu belo comentário.
      Então, hoje até eu mesmo discordo da minha resenha. Hahahaha, mas é assim mesmo, nossas opiniões mudam, né? Não fosse isso éramos seres estagnados. Bom, escrevi isso sem saber ao certo quem era Haneke e como se dava sua forma de fazer filmes, mas não me contentei com isso. Revi o filme e vi outros filmes dele, assim eu comecei a ver de fato a genialidade do diretor que hoje é um dos meus favoritos, se não o segundo ou terceiro.
      Ainda não vi o original deste, de 1997, mas o farei em breve. Obrigado pela dica.

      Volte sempre, abração!

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