Cem Toques Cravados

Em tempos de correria e pressa massificada patologicamente, quase crônica, ter tempo para ler é uma dádiva para poucos. Muitas vezes surge a vontade, mas logo esta é sufocada pelas atribuições de um dia a dia cada vez mais cheio. Tem-se certa impressão de que os dias diminuem de tempo, ou que este passe mais rápido. Eis que o autor, roteirista e também editor Edson Rossatto parece ter criado a alimento perfeito para esses devoradores apressadinhos. No início do próximo mês será lançado o livro de nanocontos Cem Toques Cravados (2010). Trata-se de um projeto do autor, que começou como uma brincadeira e desafio até que tomou proporções maiores e alcançou diversas mídias, até chegar nesta tão querida por nós leitores, o livro.

Visando atender esse público emergente de leitores, ou apenas tentando inovar Edson conseguiu uma forma simples e completa de entreter e até de se divertir. Ele desenvolveu a habilidade de criar contos completos com apenas cem caracteres (cravados), nenhum a mais, nenhum a menos e aqui se incluem os espaços e a pontuação. Pode até parecer fácil em primeira instância, mas certamente não é. É preciso adequar toda a mensagem que se quer passar ao tamanho exato, no exercício disso acaba-se por descobrir técnicas para aperfeiçoar mininarrativas que possam ter sobrado ou faltado caracteres. Uma troca de palavras por sinônimos, o uso de pontuação e/ou caracteres especiais como aspas e parênteses, podem ser algumas dessas técnicas desenvolvidas pelo autor. Tanto é que ele chega a produzir em média oito nanocontos por dia.

Essa de escrever narrativas pequenas não é nenhuma novidade, é possível listar outras obras com esse mesmo caráter entre eles o livro de título autoexplicativo 90 Livros Clássicos para Apressadinhos do sueco Henrik Lange. O próprio Edson já lançou outras obras com pequenas narrativas. São elas Curta-metragem (antologia de microcontos de no máximo 600 caracteres) de sua autoria e editou as coletâneas Expresso 600 e Histórias Liliputianas de sua editora, Andross. O próprio autor diz se inspirar no livro 16 Linhas Cravadas do escritor e ator Mário Lago, e aqui note que Edson usa até o título do livro para homenagear sua fonte de inspiração. As tirinhas em geral são vistas como literatura rápida muito apreciada pelo público, e aqui o nanoconto funciona como seu equivalente na literatura, ou melhor, na palavra escrita propriamente dita, pois quadrinhos também é literatura. Mas se o conto delimitar um conceito padrão, devo dizer que os textos de Rossatto não se limitam a ele. Há muito mais que contos aqui, há nanocrônicas, nanoromances e nanopoesias. É possível ampliar (e muito) o leque de possibilidade desse bonsai literário.

Dizer que o tema principal é o cotidiano, é o mesmo que dizer que o livro fala sobre tudo. Pois o cotidiano engloba tudo ao nosso redor, e de fato é isso mesmo que acontece, aqui é discutida política, religião (de forma bem humorada até), sexualidade, mídia e qualquer coisa que nos envolva como seres humanos. A reflexão imagética que os nanocontos nos projetam é surpreendente. São tirinhas sem imagens, sim, mas todas têm imagens subliminares que são visualizadas apenas na mente de quem os ler (e aqui surge a justificativa do autor para o projeto, como sendo uma frustração de não saber desenhar, mas sim escrever). Sem contar que o contexto de cada conto se amplia e o que aparentemente é um texto de cem caracteres se torna um imenso romance no campo das idéias. É apenas um pavio desencadeador de reflexões, suposições, interpretações e projeção mental. Quem consegue ficar preso apenas a essas simples palavras Pelo vidro, os olhares se cruzaram. “Achei meu verdadeiro amor”. O metrô partiu. Ela foi, ele ficou.? Há toda uma construção em cima dessa narrativa, um histórico de amor não correspondido, uma construção social implícita e imposta à garota. É todo um por vir. O que acontece com eles depois? Esse é o ponto mais positivo da obra de Rossato, ela ganha vida própria e vai além do seu limite textual imposto, aqui entra a alma do autor doada ao objeto livro, essa capacidade de se transpor e fazer o leitor entrar em suas próprias divagações sobre o que veio antes e o que vem depois para poder entender o contexto da pequena situação narrada.

Desde o mês passado esses nanocontos têm sido veiculados pela TV Minuto nos vagões de metrô de São Paulo, assim como no blog e no Twitter do projeto. No livro Cem Toques Cravados (Andross, 128 pág.) constam apenas cem nanocontos, seguindo uma espécie de padrão numérico em torno do número cem. Mas quem não se contentar apenas com esses, eleitos pelo autor os melhores até então, pode se saciar com mais aperitivos no blog (www.cemtoquescravados.com) e no perfil do Twitter (@cemtoques). O que se espera de um projeto excelente como este é que tenha vida longa, apesar de possuir uma estrutura curta. Se tivemos cem nesse volume, que venham centenas de outros nanocontos em dezenas de outros volumes futuros. Se esse tipo de literatura veio pra ficar é difícil dizer, mas há que se consentir com o fato de que este livro em especial merece seu espaço em nossas listas de leituras. Recomendo!

Obs: O lançamento oficial do livro acontece somente dia 04 do próximo mês (Novembro) na Livraria Martins Fontes (Av. Paulista, 509 – próximo à estação Brigadeiro do Metrô) das 18h30 às 21h30. O autor estará conversando sobre o projeto com os convidados e autografando os exemplares que custam apenas R$ 19,90. Informações podem ser obtidas pelo telefone: (11) 2167-9900.

Lembrando que o livro pode ser adquirido pela internet no site da Livraria Cultura.

7 comentários

    • Olá querida Lanna,

      É tão bom ver um comentário seu aqui no blog. Fico feliz que tenha gostado da resenha, vai gostar mais ainda do livro tenho certeza rsrsrs.
      Por falar nisso fique atenta que muito em breve farei sorteio dele por aqui.

      Beijos.

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    • Olá Edson,

      Obrigado primeiramente pelo livro excelente, em seguida pelo comentário.
      Saber disso do próprio autor do livro é uma das coisas mais gratificantes pra mim.

      Desejo-lhe muito sucesso com seus Cem Toques Cravados.

      Abraços!

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    • Olá Lilian,

      Obrigado pelo primeiro comentário.
      Conheço o trabalho do Rossatto há algum tempo como editor da Andross. Porém este é o primeiro livro dele que eu leio. Confesso que me surpreendeu bastante na qualidade. Embora eu já conhecesse esse projeto de nanocontos através do blog e do Twitter, vê-lo materializado como livro foi uma surpresa muito boa.

      Se puder adquira o livro, vale a pena e com certeza ajudará o projeto a ir adiante.

      Beijos!

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  1. O livro me chamo a atenção por conta da padronização dos contos. Deve ser muito complicado se deter a 100 caracteres para fazer contos completos…
    O Autor está de Parabéns e merece todo o meu respeito por ter consiguido adquirei essa tecnica!

    Adoreii mesmo! E quanto a resenha, mesmo sendo redundante, ela está perfeita!

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