Lázarus

Histórias de vampiros, talvez até tenham saturado o mito, mas isso só acontece quando se retorna a ele sem inovação alguma. E nesse caso eu poderia listar uma centena de livros que foram escritos nos últimos dois anos com certo advento vampiresco, que tentou trazer à tona sugadores de sangue dos mais variados tipos e espécies. Nisso surgiram escritores em ascensão outros só experimentando, alguns tragáveis e muitos nem tanto. Em meio a esses eis que surge Georgette Silen, que a exemplo de André Vianco, tem uma escrita promissora para o campo fantástico, mais precisamente no mundo noturno dos vampiros. Seu romance de estréia, Lázarus (2010) não deixa a desejar e ainda coloca para trás escritoras Best-sellers, que nem preciso citar o nome.

Audácia é um adjetivo que cabe bem para a descrição desse livro, primeiro porque a autora não se atém a repetições, e segundo porque ela prende o leitor numa leitura agradável e confiante, fruto de uma pesquisa afinca sobre o assunto. Aqui Georgette vai além do mito vampiresco e atrela a ele mitos outros de mitologias e religiões tão antigas quanto o próprio vampirismo. O nome que dá título à saga deriva da lenda de que Jesus ressuscitou Lázaro. Se isso já foi um grande feito no mundo cristão, imagine isso no mundo dos vampiros, em que essas criaturas padecem do fardo de não ter mais a vida fluindo em seus corpos.

Antes de qualquer comentário que venha a se tornar spoiller, a narrativa começa ainda no Brasil quando Laura Vargas, nossa protagonista, parte para Bristol, Inglaterra, para trabalhar no The City Museum of Art and Gallery. Até quase metade do romance temos um desenrolar um pouco lento do que acontece com Laura e sua adaptação em outro país, mas é passado esse trecho necessário que a ação se inicia de vez, já que não cessa até o fim do primeiro volume. Bom, a Saga Lázarus, tem previsão de se completar em quatro volumes, cujos próximos serão Panacéia, Nênia e Zênite. O primeiro volume se divide em três partes, que são nomeadas por Travessia, Metamorfose e Conversão, tendo em cada uma seu próprio desenvolvimento e clímax, deixando a obra ainda mais dinâmica, principalmente a partir da segunda parte.

Laura se envolve com Robert, um galã misterioso, que em determinado momento nada proposital se revela um vampiro muito antigo. Seu romance com Laura faz com que ela entre nesse mundo noturno, e assim conheça personagens únicos e bem construídos. Sua vida muda radicalmente e ela se ver diante do enfrentamento de problemas de dois mundos paralelos. Sua sorte talvez não seja mais a mesma, muito menos suas atitudes, porém sua passagem no mundo humano/vampiro irá marcar a vida de todos, principalmente a dela própria.

Em momento algum a autora se perde em subjetivismos desnecessários, dando ao livro um aspecto objetivo e enxuto. Georgette não apenas usa o mito do vampiro, mas o incrementa, reformula e adapta criando um mundo próprio regido por regras que delimitam e enriquecem a ação. A narrativa multifocal permite ter um panorama maior, inserindo o leitor ainda mais na profundidade da história. Nos tornamos cúmplices, sentimos as emoções dos personagens e tomamos partidos. Isso tira a obra do espaço superficial, tornando-a profunda. E um dos pontos mais positivos da obra é impessoalidade da autora que não cai no erro dos juízos de valor, ela escreve um texto crível, com doses certas de amor, mas muito mais de ação, violência e sangue, que é de fato o tempero correto para histórias desse naipe.

Assim como os textos vampirescos de André Vianco, este de Georgette Silen passeia um pouco pelo horror, com cenas bastantes fortes e difíceis de deglutir, não dá para não pensar em como ficaria isso transposto para uma tela de cinema. E Lázarus (Novo Século, 376 pág.) tem cacife para produção cinematográfica sim! A autora entende de roteiro, embora que do teatro, mas ainda sim há cenas que mesmo em palavra escrita nos remetem a quadros cinematográficos. Há também um pouco de semelhança com a inovação que Anne Rice fez com essas criaturas noturnas. Então se o êxito é inovar, Georgette faz isso esplendorosamente.

Ainda que tenha começado com conto, um gênero mais fácil (ou não, depende de cada um) de ser escrito, a autora não se perde em seu primeiro trabalho solo e extenso. Ela já participou de várias antologias de contos, nos mais variados temas, mas destaco os dois que li, que são “A Cidadela de Elan”, que está no lançamento Sagas: Espada e Magia da nova editora Argonautas, em que a autora envereda pelo mundo medieval e cria uma história grotesca e fantástica que culmina em um fim inesperado; e “Criança de Louça” que faz parte da antologia Dimensões.BR, e que mesmo não sendo o melhor texto da autora, ainda assim traz certa contribuição para o tema proposto no livro.

Peço que fiquem atentos à Georgette, creio eu que ainda ouviremos falar bastante dela por ai, principalmente com sua contribuição para a consolidação da nossa literatura fantástica, infelizmente ainda não muito bem vista. Recomendo!

3 comentários

  1. Embora eu ache que o tema “vampiros” está se tornando cansativo, dada a infestação vampírica que tomou conta da literatura, gosto sempre das resenhas do Ademar, pois ele abarca o tema do livro analisado de maneira crítica e aponta não somente os pontos positivos, mas também pontos fracos de uma obra. Com isso, torna o livro analisado interessante e desperta a vontade do leitor em conhecê-lo. Parabéns.

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