Como Viver Eternamente, de Sally Nicholls

1. Meu nome é Sam.
2. Tenho onze anos.
3. Coleciono histórias e fatos fantásticos.
4. Tenho leucemia.
4. Quando você estiver lendo isso, provavelmente já estarei morto.
Sally Nicholls, Como Viver Eternamente, pág. 12.

Ano passado chegou ao Brasil o livro A Culpa é das Estrelas, de John Green, que alavancou um novo subgênero na literatura, o sick-lit. Em resumo, o gênero é caracterizado por contar a história de personagens que sofrem de alguma doença terminal, anomalia por má formação congênita, transtornos psicológicos (depressão, transtornos alimentares), suicídio, entre outros. Mas o que há de tão interessante em temas tão negativos? Há muita coisa para se pensar. Em geral, esses livros não possuem finais felizes, e isso por vezes gera um choque. O que não necessariamente é algo negativo, todos precisamos de um choque de realidade, mesmo que através da ficção.

Sally Nicholls
Sally Nicholls

Certo, nem tudo são flores e esse já é um bom motivo. Mas essas histórias com forte carga dramática não poderiam influenciar ainda mais jovens depressivos ou com pensamentos suicidas? Talvez, afinal o efeito de cada leitura é individual e nem sempre previsível, mas isso é discussão para um outro momento (se quiserem, deixem suas opiniões nos comentários).

Voltando ao tema, enquanto gênero literário, antes de A Culpa é das Estrelas (2012) aqui no Brasil já havia sido lançado um livrinho chamado Como Viver Eternamente (2007) que representa muito bem a temática. Não pense que quero colocá-lo em posição melhor que o livro do John Green, apenas ressaltar que a evidência desse autor fez com que voltássemos os olhos para livros que haviam passado despercebidos e que por um motivo ou outro merecem destaque. Antes de falar qualquer coisa sobre Como Viver Eternamente, eu devo dizer que é um dos melhores livros que li esse ano, e sim, me fez chorar muito, mas vamos por partes.

Assim como o livro do Green, Sally Nicholls nos conta a história de um jovem, nesse caso um garotinho de 11 anos, com câncer. Sam McQueen tem leucemia e só tem alguns meses de vida. Como está impossibilitado de ir à escola normal, Sam estuda em casa com seu melhor amigo Felix Stranger e uma professora particular, a Sra. Willis. Como resultado de uma das atividades sugeridas pela professora, Sam começa a escrever um livro sobre sua vida, uma espécie de scrapbook, onde ele reúne listas, imagens e um diário. Assim acompanhamos o dia a dia dos últimos meses de vida do garotinho, que vive cercado por seus pais, Daniel e Rachel, sua irmã mais nova Bella e sua avó materna.

Nesse contexto, Sally nos conta uma história encantadora e emocionante, sob a visão do pequeno Sam. Através da narrativa ingênua do garoto podemos acompanhar a dificuldade dos pais de aceitar a doença dos filhos, em especial o pai, que em certos momentos não sabe lidar e deixa sua própria revolta transparecer. Por outro lado, a mãe sofre antecipadamente com a perda iminente, mas seu espírito maternal a mantém sob certo controle, na medida do possível. Bella faz o papel da irmã irritante que não consegue compreender a doença do irmão e faz birra achando que tudo é um capricho.

Lista nº 03 de Sam (clique para ampliar)
Lista nº 03 de Sam (clique para ampliar)

Sam tem sede de vida, sonha com seu futuro que nunca terá e desde criança já demonstra ter uma mente de cientista, que é o que gostaria de ser se pudesse. Ao longo de seu diário, no qual ele narra principalmente as aulas com a Sra. Willis, somos incitados a refletir e discutir coisas que muitas vezes ignoramos. O propósito da narrativa de Sam é uma tentativa de elucidar “perguntas que ninguém responde”, assim o garoto e seu amigo Felix enumeram teorias sobre perguntas como “como você sabe que morreu?”, “por que Deus faz as crianças ficarem doentes?” ou “para onde vamos quando morremos?”. Mas antes que você pense, o livro não cai no erro de apelar para o lado religioso, muito pelo contrário, nos faz pensar ao confrontar a fé de Sam com o ceticismo de Felix. Ambos contribuem positivamente para a discussão, e assim se mantêm longe do proselitismo barato.

A narrativa de Sam tampouco é apelativa ao drama. É impossível não rir da ingenuidade de Sam, que também já foi nossa, ou ainda das situações nas quais ele se mete. Há uma sede de vida, e é por isso que o livro não trata só de morte. Sam e Felix são a personificação daquela amizade verdadeira que todos idealizávamos, ou ainda o fazemos, quando crianças. Todavia, ao final é impossível não estar imerso em lágrimas. Pessoalmente, a perda de Sam, ainda que anunciada por ele próprio na primeira página, foi como se estivesse perdendo um amigo ou parente muito próximo. E aqui, eu volto para o questionamento lá do início e digo: é por essa identificação que esse gênero pode agradar tanto. É o que podemos chamar de livros de autoajuda, não no sentido pejorativo que esse gênero possa ter, rs.

A literatura nos modifica, às vezes nos torna pessoas melhores, quando nos faz viver situações que por um motivo ou outro não vivemos no nosso cotidiano real. Quem lê e não vê esse efeito que a leitura nos impõem, é porque talvez sofra de certo bloqueio, mas não cabe a mim ditar, afinal a experiência é sempre muito pessoal como já dito.

Como Viver Eternamente já havia sido publicado aqui no Brasil em 2008 pela Geração Editorial, mas ganhou uma nova edição esse ano. Um trabalho muito bem feito por parte da editora, que por sua vez só pecou em não atualizar a minibiografia da autora, na qual informa que Sally está escrevendo seu segundo romance. Não obstante, o segundo livro da autora, Temporada de Segredos, também já foi publicado por aqui. Além desses, há ainda quatro inéditos que aguardam tradução para o português: All Fall DownA Lily, A RoseClose Your Pretty EyesShadow Girl. Vamos aguardar novidades por parte da editora.

O livro também já ganhou uma adaptação para o cinema. Como Viver Eternamente foi adaptado por Gustavo Ron, que assina a direção e o roteiro do filme. A película produzida em 2010 traz Robbie Kay no papel de Sam e Alex Etel, como Felix.

Como Viver Eternamente (Cenas do Filme)
Cenas do filme: Sam com seus pais, sua irmã e sua avó; Sam e Felix; e Sam.

Por fim, só posso dizer que este livro é uma pequena joia, aqueles livros sobre o qual ficamos pensando um bom tempo depois que terminamos de ler. É também daqueles impossíveis de pausar a leitura, principalmente por causa da narrativa ágil de Sam. Com certeza um livro que quero reler. Leia sem medo e com alguns lencinhos na mão.

Melhores quotes:

Não achava que estávamos doentes porque fizemos alguma coisa ruim, da mesma maneira que não achava que Hitler foi líder da Alemanha como recompensa por ter feito alguma coisa boa. (pag. 54)

As pessoas podem viver por um ano inteiro ou mais. E eu já cheguei a quatro meses. Um ano é muito tempo. Qualquer coisa pode acontecer em um ano. (pág. 79)

Algumas coisas são perfeitas do começo ao fim. (pág. 184)

– Não chore –  pedi. – Por favor, não chore. Direi a Ele que assim não dá – disse para fazê-la sorrir. – Quando me encontrar com Ele. (pág. 191)

Fiquei sentado, observando todo mundo, tentando retê-los firmes na minha lembrança, até que logo adormeci. (pág. 215)

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Ficha Técnica

Título: Como Viver Eternamente
Título original: Ways to Live Forever
Autor(a): Sally Nicholls
Editora: Geração
Tradução: Lidia Luther
Edição: 2014 (4ª)
Ano da obra / Copyright: 2007
Páginas: 232
Baixe um trecho: AQUI
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Sinopse: Meu nome é Sam. Tenho onze anos. Coleciono histórias e fatos fantásticos. Quando você estiver lendo isso, provavelmente já estarei morto. Sam ama fatos. Ele é curioso sobre óvnis, filmes de terror, fantasmas, ciências e como é beijar uma garota. Como ele tem leucemia, ele quer saber fatos sobre a morte. Sam precisa de respostas das perguntas que ninguém quer responder. ”Como Viver Eternamente”, é o primeiro romance de uma extraordinária e talentosa jovem autora. Engraçado e honesto, este é um livro poderoso e comovente, que você não pode deixar de ler. A autora tem apenas 23 anos e embora seja seu primeiro livro, ele está sendo lançado em 19 países, dirigido a crianças, adolescentes e adultos.

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7 comentários

  1. Amei a resenha, com certeza faz a gente refletir. Adoro um livro drama, ainda mais quando temos personagens tão cativantes. Foi para a lista de desejos imediatos.
    Amei desde a capa, passando pelo mote e terminando na sua resenha que me induz à leitura para ontem, rsrs

    Bjskas!

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  2. Ótima resenha, me deixou morrendo de vontade de ler esse livro! Vai para a minha lista, sem dúvida. Só fiquei com uma dúvida. como é o estilo da autora? muitos diálogos? ela consegue escapar do clichê?
    Novamente, parabéns pelo texto.

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  3. Resenha perfeita.
    São livros assim que fazem a gente parar pra pensar,olhar ao redor,e ver que existem outras coisas que merecem mais nossa atenção! Agora fiquei morrendo de vontade de ler o livro! *-*

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  4. Ademar, a resenha está linda! Como você disse um choque de realidade é sempre bom. rs Deixou-me com bastante vontade de saber todas as aventuras de Sam e de sentir com ele todas as suas descobertas, sejam “científicas” ou emocionais. :DD

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  5. Resenha muito bem construída! Parabéns! Realmente esses livros nos ajudam a refletir, pelo menos foi o que aconteceu comigo com “A culpa é das estrelas”, admito que achei o livro um pouco parado, mas admiro muito as mensagens que ele traz.

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  6. Adorei a resenha , gostaria de saber aonde encontro o filme … se puder me ajudar a encontrar, pois sou muito fã do livro .. Ja li e reli varias veze

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