O Corvo, de Edgar Allan Poe

Profeta, ou o que quer que sejas!
Ave ou demônio que negrejas!
Profeta sempre, escuta: Ou venhas tu do inferno
Onde reside o mal eterno,
Ou simplesmente náufrago escapado
Venhas do temporal que te há lançado
Nesta casa onde o Horror, o Horror profundo
Tem os seus lares triunfais,
Dize-me: existe acaso um bálsamo no mundo?”
E o corvo disse: “Nunca mais”.
Edgar Allan Poe, O Corvo, trad. de Machado de Assis, pág. 28.

O corvo, ao ser capturado pela pena de Poe, tornou-se o símbolo da prenunciação fatal, desde então, a ave de luto foi imortalizada na poesia como a mensageira da perda irreparável e da inevitabilidade da morte. Esse é um dos casos na literatura em que a imagem do próprio autor funde-se à sua obra, quando o artista apodera-se de uma ideia ou imagem de modo que consegue imprimir-lhe um significado permanente e indissociável de sua criação artística.

Dessa forma, o corvo é a representação máxima da poesia de Edgar Allan Poe, o personagem que profetizou a amargura da eterna solidão de um eu lírico que personifica toda a estética gótica na literatura e demais formas de artes. Antes de Poe, o corvo, pássaro de plumagem negra, já era considerado uma ave de mau agouro na mitologia grega, por ter levado notícias ruins ao deus Apolo. Entretanto, foi no poema O Corvo, publicado em 1845, no jornal Evening Mirror, onde Poe trabalhava, que a ave foi incorporada ao imaginário macabro do ultrarromantismo.

Tal poema sintetiza o que há de melhor das habilidades literárias de Poe, uma composição poética dotada de elementos estéticos bastante refinados, como musicalidade apurada, métrica perfeita e rimas complexas. Sua temática é repleta de morbidez e melancolia, envolvendo os temas mais comuns da segunda geração romântica, como a noite, o medo, a solidão, o sobrenatural, o mistério e a morte. Todos esses temas dão vida a uma obra-prima da literatura americana, que influenciou uma geração de escritores e remodelou as bases do gênero terror.

poe corvo raven by twistedsynapses
©2011-2015 TwistedSynapses

Logo no início do poema, é apresentada uma atmosfera que inspira mistério e pavor, onde um homem de hábitos noturnos ouve batidas na porta já depois da meia-noite, e então inicia-se uma sessão de tortura psicológica e emocional causada pelo encontro com o sobrenatural. Não encontrando ninguém à porta, o eu lírico é tomado pelo sentimento de melancolia que irá acompanhá-lo por todo o texto, e revive a saudade da sua amada falecida Lenora.

Novamente pancadas são ouvidas, desta vez desferidas na janela, e para tranquilizar-se, o notívago convence a si mesmo de que isto é apenas obra do vento. Porém, ao abrir a janela, um visitante inesperado invade seu aposento e instala-se no busto de Palas (Atenas) acima da porta. O visitante taciturno é ninguém menos do que um corvo com aspecto nobre que encara o homem, e após uma tentativa de conversa, a ave grasna repetidamente a todas as perguntas do anfitrião: “Nunca mais!”

Essa incessante repetição da frase proferida pelo corvo provoca um efeito de angústia no eu lírico do poema que se estende ao leitor. “Nunca mais!” responde o corvo como seu nome, “Nunca mais!” haverá alívio da dor pela perda de Lenora e de todo o sofrimento do eu poético. Tamanha é a insistência do corvo que acaba por levar ao desespero o sujeito, até ele próprio gritar atormentado a sua sentença final: “…nunca mais!”.

A forma dessa composição de Poe; as sequências rítmicas, a organização dos versos, das estrofes e do poema como um todo, singularizam esse poema de Edgar Allan Poe dentro da língua inglesa, que a tarefa de traduzi-lo a outras línguas torna-se um trabalho bastante árduo, requerendo não apenas conhecimento de ambas as línguas, mas também um talento poético especial.

The Raven
Cena do filme “O Corvo” (The Raven, 1963), com o ator Vincent Price

“Profeta”, disse eu, “profeta – ou demônio ou ave preta!
Fosse diabo ou tempestade quem te trouxe a meus umbrais,
A este luto e este degredo, a esta noite e este segredo,
A esta casa de ânsia e medo, dize a esta alma a quem atrais
Se há um bálsamo longínquo para esta alma a quem atrais!”
Disse o corvo, “Nunca mais”.
Trad. de Fernando Pessoa, pág. 34

Essa edição (digital) da Editora DarkSide reuniu as traduções de dois gênios da língua portuguesa; Machado de Assis e Fernando Pessoa, os quais além de traduzirem muitas obras estrangeiras cânones ao nosso idioma, também são dois dos representantes principais da literatura brasileira e portuguesa. Assim, o trabalho desses dois autores foi adaptar o poema de Poe às peculiaridades locais do idioma português de cada país e procurar manter a qualidade formal do poema inglês.

Aos leitores brasileiros, arrisco dizer que a tradução de Machado de Assis mostra-se mais familiar, por apresentar os termos e a organização vocabular mais comuns em nosso território. Já para o leitor lusitano, a tradução de Fernando Pessoa também aparenta ser mais inteligível, pelo mesmo motivo já citado. Todavia, ler as duas traduções e poder compará-las é uma experiência enriquecedora para todo e qualquer leitor de língua portuguesa. Além das traduções, o livro traz ilustrações de Édouard Manet e um texto de Charles Baudelaire apresentando uma análise crítica da obra de Poe.

Portanto, essa obra constitui uma leitura fundamental para a formação de qualquer leitor de poesia, e fãs de histórias de terror. Essa edição faz parte do projeto Freebook da editora DarkSide, que disponibiliza pequenos e-books gratuitos como esse para download no site da própria editora. Uma grande oportunidade para quem ainda não leu entrar em contato com esse universo do autor, e para quem já é familiarizado com a obra de Poe, tem a chance de reler uma vez mais.

Curiosidades

  • O poema O Corvo já serviu como inspiração a diversas adaptações cinematográficas, dentre elas, as mais conhecidas são:
  • The Raven (1915), filme mudo de Charles Broow.
  • The Raven (1935), filme de horror com Boris Karloff e Bela Lugosi.
  • Le Corbeau (The Raven), filme noir de 1943 com Pierre Fresnay and Ginette Leclerc.
  • O Corvo (The Raven, 1963), comédia de horror do diretor Roger Corman, com a participação dos atores Vincent Price, Boris Karloff e Peter Lorre.
  • O Corvo (The Crow, 1994), de Alex Proyas, é a adaptação cinematográfica da história em quadrinhos homônima de James O’Barr, que contém referências claras ao poema de Edgar Allan Poe, inclusive o personagem principal Eric Draven (Brandon Lee) recita o poema The Raven, de Poe, numa das cenas. Esse filme é marcado por uma das histórias mais macabras do cinema, pois durante as filmagens o ator protagonista acabou morrendo vítima de um disparo real de uma arma que deveria estar carregada apenas com festim para uma cena em que o personagem seria baleado. E o detalhe mais assustador é que a cena da morte real do ator foi incluída no filme. @_@
  • O Corvo (The Raven, 2012), filme de suspense dirigido por James McTeigue, com John Cusack no papel de Edgar Allan Poe, é a mais recente obra cinematográfica inspirada no trágico poema. Além disso, esse filme também faz referência ao conto policial Os Crimes da Rua Morgue, do mesmo autor.
  • Assista ao primeiro curta-metragem do diretor Tim Burton, Vincent (1982), que foi inspirado na obra de Poe, com a narração de Vincent Price:

Ficha Técnica

Título: O Corvo
Título original: The Raven
Autor(a): Edgar Allan Poe
Editora: DarkSide
Tradução: Machado de Assis, Fernando Pessoa
Edição: 2013 (1ª)
Ano da obra / Copyright:  1845
Páginas: 50
Skoob: Adicione
Download (gratuito): AQUI

11 comentários

  1. Edgar Allan Poe… eu adoro ele!
    Não sabia dessa edição da Darkside… Linda, como todos os livros deles.
    Sou muito fã dessa editora.
    E é legal você ter publicado sobre o Corvo. Na época que eu fazia teatro, adaptamos essa história e a encenamos.
    Foi maravilhoso e eu morro de saudade. Até hoje quando penso nisso, sinto aquela sensação macabra de contracenar em um cenário que ficou perfeito para a trama 🙂
    Beijos

    Meu Meio Devaneio

    Curtir

    • Oi, Soraya!
      Que legal deve ter sido a peça!
      Também adoro teatro, pena que ainda não tive o prazer de ver nenhuma representação da obra do Poe no palco, mas satisfaço um pouco da minha curiosidade assistindo aos filmes!
      Beijos! 🙂

      Curtir

    • Que legal, Aline! 🙂
      Essa é uma ótima leitura, eu recomendo!
      E não deixe de voltar aqui depois para comentar o que achou.
      Beijos! 😀

      Curtir

  2. Este poema é maravilhoso e você descreveu muito bem sua grandeza! O que acho mais impressionante é que Allan Poe, um ano depois, publica A Filosofia da Composição, explicando como construiu O Corvo. E, ao contrário do que podemos pensar, foi uma construção muito trabalhada, calculada, e não apenas inspiração.
    Fiz um vídeo recentemente falando do processo de criação de O Corvo, com base nessa obra, se quiser dar uma olhada, está em: https://contornosdaliteratura.wordpress.com/2015/04/21/o-corvo-a-filosofia-da-composicao-poe/
    Beijos!

    Curtir

  3. Eu lembro que eu era louca pela série O Corvo. Eu era criança ainda, mas eu gravava todos os episódios em VHS. Hoje eu nem sei se tem na internet, mas aquela história, ficou eternizada no meu coração.
    Vanessa sobre o assassinato do ator, eu lembro que na época fiquei em choque! O primeiro “crush” e ele morre! Enfim, amei a sua análise!
    Você vai ler o livro da Empíreo? Eles fizeram uma edição de luxo.

    Curtir

Deixe um Comentário