| Resenha | O Pintor de Letreiros, de R. K. Narayan

[…] As pessoas têm que ser etiquetadas? Usar uma coleira dizendo se são isso ou aquilo? (Daisy)
R. K. Narayan, O Pintor de Letreiros, pág. 79.

Uma das melhores coisas de ser um leitor compulsivo é que sempre há algo novo para conhecer. A pior parte é que com o passar do tempo poucas dessas novas descobertas serão positivas. Mas quando conhecemos um autor e ele nos surpreende positivamente, não tem preço. Recentemente, tive a oportunidade de ler um autor até então desconhecido para mim, R. K. Narayan. O impulso inicial que me levou à lê-lo foi o fato de se tratar de um autor indiano de língua inglesa. Como não tinha conhecimento sobre literatura indiana, menos ainda daquela de expressão inglesa, me permiti conhecer, ainda bem que o fiz.

Rasipuram Krishnaswami Narayan não é muito conhecido aqui no Brasil, infelizmente. No entanto, três, dos seus mais de trinta livros, foram publicados aqui no Brasil pela pouco conhecida Editora Guarda-Chuva, incluindo sua obra-prima, O Guia. Todavia, meu primeiro contato se deu com o romance O Pintor de Letreiros, uma comédia cotidiana, delicada e sarcástica ao mesmo tempo. O livro se insere em um universo ficcional criado pelo autor e compartilhado nas demais obras, mais especificamente na cidade fictícia de Malgudi, localizada no sul da Índia. A cidade e seus habitantes excêntricos são inspirados na cidade natal do autor e serve de cenário para a maioria de seus trabalhos de ficção.

Obras de R. K. Narayan (Editora Guarda-Chuva)
Obras de R. K. Narayan publicadas no Brasil

Em O Pintor de Letreiros, acompanhamos as aventuras do jovem Raman, um jovem de origem humilde que ganha a vida pintando letreiros e ilustrando as ruas da cidade com seu talento. Quase sem concorrência para seu trabalho, ele se dá ao luxo de ter o total controle do seu trabalho e quase nunca aceita críticas de clientes insatisfeitos, afinal o pintor é ele, portanto, é ele quem entende de pintura de letreiros. Logo de cara, é impossível não simpatizar com o jovem Raman, ainda que sua visão de mundo seja uma pouco fechada para certas coisas, talvez por causa da cultura tradicional na qual está inserido. Mas quem não tem uma opinião formada sobre uma coisa ou outra?

Você não percebe o horror que é viver com tudo lotado? Com filas intermináveis para obter comida, para obter abrigo, remédio, pegar ônibus, para tudo o mais, e milhares de crianças nascendo sem ter o que comer, o que vestir, e sem ter um teto. Em meio a uma massa dessas proporções é impossível uma existência civilizada. Cada um de nós tem que fazer a sua parte, em cada canto do país. [Daisy] (pág. 76)

A aventura de Raman começa quando ele aceita pintar um letreiro para um advogado recém-formado (em um curso por correspondência) e o trabalho não sai como o cliente havia idealizado. A partir de então, Raman passa a refletir sobre muitos pontos do seu trabalho e de sua vida, incluindo o fato de ainda viver sobre a proteção sufocante da tia, uma senhora tradicionalista e muito religiosa.

Um belo dia, Raman conhece a jovem Daisy, uma jovem ativista que luta contra o crescimento populacional desenfreado na Índia. Daisy é uma das figuras mais cômicas e excêntricas dessa comédia, ao pregar incisivamente suas medidas radicais de controle populacional. Para ela a educação sexual deve ser iniciada ainda na pré-escola, com vistas a formar cidadãos conscientes de que a reprodução impensada é só uma forma de aumentar os níveis de pobreza e miséria. Mas logo se imagina que tais pensamentos serão ferozmente confrontados principalmente pelos indianos mais velhos e religiosos, que levam muito a sério a história do “multiplicai-vos”, presente em muitas culturas religiosas.

Obras de R. K. Narayan (Editora Guarda-Chuva) (2)

Daisy contrata o jovem Raman para viajar com ela por algumas cidades com o intuito de levar sua mensagem de ativismo. Raman, por sua vez, apesar de não concordar com a visão de Daisy, resolve aceitar o serviço e segue viagem pintando mensagens que defendem o controle de população. Nessa jornada, ele se apaixona pela garota com espírito indomável, uma espécie de megera a ser domada. Daisy assume sempre uma atitude impositiva e irredutível, assim, temos muitas cenas cômicas entre o casal mais incomum da Índia. Raman sonha em casar, Daisy nunca sequer cogitou essa ideia. E nesse entrave constante, vamos conhecendo um pouco de cada personagem.

R. K. Narayan
R. K. Narayan

O Pintor de Letreiros é um dos livros mais divertidos que já li. Devo avisar que não esperem um final que beira o óbvio, o que para mim foi interessante por fugir do clichê, mas ao mesmo tempo me deixou um pouco insatisfeito, pois já havia idealizado como deveria ser. No entanto, o livro nos mostra como é difícil mudar, teoricamente é algo possível e passível da vontade própria, mas na prática isso nem sempre se dá da forma como queremos e muito menos da forma que outras pessoas querem.

R. K. Narayan é um dos nomes mais importantes da literatura indiana. Isso porque já no seu primeiro livro foi reconhecido como um talento e apadrinhado pelo escritor Graham Greene, que se encarregou de levar sua obra para outros países e torná-la conhecida. Narayan é constantemente comparado a William Faulkner e Guy de Maupassant, por seu talento em abordar histórias cotidianas com personagens bem construídas que, pela escrita cuidadosa do autor, discutem situações e contextos sociais específicos. Narayan é ainda conhecido como o “Tchekhov indiano”, e como tal, se preocupa em valorizar enfaticamente a cultura do seu país. Nesse livro temos uma verdadeira aula sobre a cultura tradicional indiana e a representação da religião para os indianos. Vale muito a pena ler.

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Ficha Técnica

Título: O Pintor de Letreiro
Título original: The Painter of Signs
Autor(a): R. K. Narayan
Editora: Guarda-Chuva
Tradução: Léa Nachbin
Edição: 2011 (1ª)
Ano da obra / Copyright: 1976
Páginas: 252
Skoob: Adicione
Sinopse: Estamos em Malgudi, uma pequena e efervescente cidade no Sul da Índia, onde a pureza da cultura tradicional indiana une-se ao anseio por integração ao mundo moderno e global. Um fio conecta a vida de toda a comunidade: os letreiros de Raman. Do advogado ao comerciante, do sacerdote ao charlatão, é a escrita que os une. A fértil imaginação de Raman mistura-se às suas certezas, fazendo-o cair em frequentes contradições, que geram situações embaraçosas e hilariantes. Porém, a metódica rotina do pintor de letreiros é rompida com a chegada de uma forasteira. Idealista e determinada, ela contrata seus serviços e o envolve numa viagem cheia de aventuras. Raman realiza um duplo percurso, com geografias bastante diversas: a atribulada viagem num carro-de-boi e o mergulho insidioso pelos meandros da paixão e do romantismo.

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3 comentários

  1. Ademar… eu simplesmente amei conhecer esse livro aqui! Nunca tinha ouvido falar no livro nem no autor, e poxa, parece que eu estava e estou perdendo muita coisa. Preciso ler isso! Gosto da parte que você menciona os personagens, e o final não óbvio já chamou minha atenção. Enfim, preciso!

    Beijinhos, Livro Lab

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  2. Olá, querido!
    Faz tempo que não consigo comentar por aqui, mas finalmente arrumei uns minutinhos.
    Eu ainda não tinha ouvido falar da Guarda-Chuva até bem pouco tempo atrás. Recebi um contato deles e fui conhecer o catálogo! Esse livro me chamou a atenção, mas acabei pedindo o “Este Não É Um Livro Sobre Amor”.
    Mas de qualquer jeito, esse livro está na lista de desejados!
    beijos
    Camis

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  3. Ademar, eu amo seu blog pela diversidade de livros e estilos que vocês trazem! Eu não conhecia o autor e conheço muito pouco da cultura indiana, mas adorei a premissa.
    Eu sou como você: adoro descobrir coisas novas, e quando eu gosto, é muito compensador!
    Beijos

    Meu Meio Devaneio

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