| Resenha | A Outra Volta do Parafuso, de Henry James

Laurence Belcher (Miles), Lucy Morton (Flora) e Anna Madeley (a Governanta) na peça 'The Turn of the Screw', dirigida por Lindsay Posner. Foto: Nobby Clark
Laurence Belcher (Miles), Lucy Morton (Flora) e Anna Madeley (a Governanta) na peça ‘The Turn of the Screw’, dirigida por Lindsay Posner. Foto: Nobby Clark

A pessoa que olhava diretamente para dentro de casa era a mesma que já me havia aparecido. Voltava a aparecer não direi com maior nitidez, o que teria sido impossível, mas com uma proximidade que representava um avanço no nosso relacionamento e que me fez, ao defrontar-me com ele, prender a respiração e gelar.
Henry James, A Outra Volta do Parafuso, pág. 40.

Quando criança, lembro que eu ficava fascinado e apavorado com a série de TV Are You Afraid of the Dark?, intitulada Clube do Terror aqui no Brasil. Especialmente por causa de um episódio, lembro vagamente, em que um palhaço aterrorizava um parque de diversões mal assombrado. A série girava em torno de um grupo de amigos que se reuniam, geralmente ao redor de uma fogueira, para contar histórias de terror. É num contexto bem semelhante que se inicia o livro A Outra Volta do Parafuso (The Turn of the Screw), de Henry James, um clássico da literatura norte-americana.

Reunidos numa antiga mansão, um grupo de pessoas narra uns para os outros histórias de horror. Após uma história aterrorizante, um dos personagens, Douglas, pergunta “se uma criança dá ao fenômeno outra volta do parafuso, o que me diriam de duas crianças…?” (pág. 8). Aguçando a curiosidade dos demais, e sendo um dos ganchos para prender o leitor, ele promete contar a história mais aterradora que os presentes já ouviram, mas só na noite seguinte, e o mais importante: sua narrativa é um fato real, relatado pela protagonista, uma amiga íntima que lhe confiou a versão manuscrita da história. E é então, que entramos numa segunda narrativa, a história do livro de fato, contada por Douglas que a introduz aos seus interlocutores (fictícios) e aos leitores nessa cena curta que abre o livro.

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Two people, The lonely Ones (woodcut) by Edvard Munch (1863-1944)

A protagonista da história contada por Douglas, sua amiga, não é nomeada em momento algum da narrativa. O que se sabe é que ela é uma jovem professora, que é contratada por um cavalheiro rico e solteiro para cuidar das crianças Flora e Miles, seus sobrinhos de 8 e 10 anos, respectivamente. Os pais das crianças haviam falecido na Índia, e sem querer sucumbir ao ônus de mais uma preocupação, o tio e então tutor de Flora e Miles, contrata a jovem como governanta para cuidar de ambos numa fazenda da família, sob a condição de não ser incomodado sobre nada a respeito das crianças. Miles acabara de ser expulso da escola por um motivo não muito claro.

Simpatizante de crianças, a nova governanta fica animada para conhecer seus novos pupilos. E ao conhecê-los, fica encantada e não entende porque o tio não quer lhes dar atenção, tampouco o porquê de Miles ter sido expulso. Além dela e das crianças, a fazenda é habitada pela Sra. Gorse, cuidadora da casa há muitos anos, e outros empregados. Certo dia, a governanta ver alguém estranho na propriedade e quando conta isso à Sra. Gorse a descrição bate com um antigo funcionário da fazenda, Quint, que já morreu. A partir daí, além da presença de Quint, a governanta passa a ver sua predecessora no cargo, a senhorita Jessel.

Laurence Belcher (Miles), Lucy Morton (Flora) e Anna Madeley (a Governanta) na peça 'The Turn of the Screw', dirigida por Lindsay Posner. Foto: Nobby Clark
Laurence Belcher (Miles), Lucy Morton (Flora) e Anna Madeley (a Governanta) na peça ‘The Turn of the Screw’, dirigida por Lindsay Posner. Foto: Nobby Clark

Nesse quadro, aparentemente a protagonista é a única que ver os tais fantasmas. Ela então começa a tentar provar a presença deles. Não obstante, o leitor é colocado numa berlinda entre aceitar a narrativa da protagonista como verdadeira ou julgá-la como louca e que os fantasmas são resultado do seu desvario. Um artifício eficaz de James, pois não apenas planta a sementinha da dúvida no leitor, permitindo-lhe ir além da leitura, como também faz despertar um fascínio pela narrativa. Isso faz com que o leitor se sinta convidado a voltar para analisar minuciosamente toda a sequência de fatos na esperança de chegar à uma conclusão cabível. É um livro para ler e reler.

Ademais, a narrativa progride adquirindo o ritmo paralelo à angústia e ao desespero da protagonista. James também cria uma atmosfera de arrepiar. Não é difícil visualizar mentalmente o ambiente rural, antigo e obscuro em que a trama se passa. Somos quase transportados para a fazenda nos arredores de Londres. Não é tarefa fácil despertar a sensação típica do horror em narrativas escritas, já que isso depende da imaginação do leitor para criar mentalmente e então reagir a ela. Contudo, James faz isso de maneira muito perspicaz e acertada.

A Outra Volta do Parafuso é uma das histórias de fantasmas mais legais que já li, tanto pela trama em si, como pelo cuidado notável que o autor teve na construção e desenvolvimento da mesma. A edição da Penguin Companhia segue o padrão dos demais clássicos lançados e traz como extra um posfácio assinado por David Bromwich a respeito da obra de Henry James como um todo e como esse livro se situa no conjunto da obra, além de discutir as interpretações possíveis para A Outra Volta do Parafuso, vale conferir também. No mais, só posso indicar como uma excelente leitura para suas listas de leituras do mês do horror. 💀👻👿👾😱

Nota: 💚💚💚💚💚

Dica de filme adaptado

Ficha Técnica

A outra volta do parafusoTítulo: A Outra Volta do Parafuso
Título Original: The Turn of the Screw
Autor(a): Henry James
Tradução: Paulo Henriques Britto
Editora: Penguin – Companhia das Letras
Edição: 2011 (1ª)
Ano da obra / Copyright: 1898
Páginas: 200
Skoob: Adicione
Leia um trecho: AQUI
Extra: Guia de Leitura
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