| Resenha | Homens sem Mulheres, de Haruki Murakami

Homens sem mulheres (detalhes)

Haruki Murakami é um dos escritores japoneses mais conhecidos dentro e fora do Japão. Já foi traduzido para mais de 50 idiomas e é considerado uma das grandes vozes contemporâneas da literatura de expressão japonesa. Embora sua obra receba críticas positivas pelo mundo todo, alguns críticos japoneses apontam a obra do autor como não tão nipônica assim, e portanto uma voz que mais leva o ocidente para o Japão do que o contrário. Não é difícil perceber toda a influência ocidental em seu trabalho. Murakami, além de escritor, já traduziu muitas obras importantes da literatura ocidental para o japonês, entre eles Ursula K. Le Guin, J. D. Salinger, Truman Capote, F. Scott Fitzgerald e tantos outros.

Murakami nasceu em Tóquio em 1949, em determinado momento de sua vida morou por quatro anos nos Estados Unidos onde lecionou em Princenton, retornando ao Japão em 1995. Entre seus trabalhos conhecidos estão Caçando Carneiros (1982), Norwegian Wood (1987), Kafka à beira-mar (2002) e a trilogia 1Q84 (2009–2010), todos publicados aqui no Brasil pela editora Alfaguara. 1Q84 faz referência ao livro 1984, de George Orwell.  Todavia, o último título do autor publicado aqui no Brasil, ainda ano passado, foi a coletânea de contos Homens sem mulheres, sobre a qual vos falo nesse texto.

Como dito, a influência da cultura ocidental é muito forte na obra de Murakami, algo claramente perceptível nos sete contos que compõem esse volume. Mas, justiça seja feita, Murakami não apenas importa o ocidente para o Japão através de sua obra. Seus textos exploram muito a essência da cultura na qual ele foi criado e principalmente da cultura pop nipônica na qual ele vive hoje (ele e o mundo inteiro). Dessa forma, Murakami não é um autor japonês que mereça ser subestimado enquanto representante do seu país, por outro lado, eu não o apontaria como a voz mais importante da literatura japonesa atual como muitos o fazem. Mas voltemos ao livro.

Haruki Murakami

O primeiro conto, Drive my car, conta a história do ator de teatro Kafuku, que ao chegar em Tóquio precisa contratar um motorista que conheça a cidade e é surpreendido quando seu mecânico indica uma mulher para o cargo. Misaki, a jovem motorista, surpreende seu novo empregador a despeito do receio que homens comumente têm em relação a mulheres no volante. À medida que dirige para o Sr. Kafuku, Misaki vai descobrindo a história por trás desse homem sério, metódico e sem amigos. Kafuku havia perdido a esposa e em determinado momento acabou se tornando uma espécie de amigo do homem com quem sua falecida esposa o traía. O conto, publicado originalmente em uma revista mensal japonesa, causou certa controvérsia com o público japonês.

A polêmica se deu pelo fato de que na primeira versão publicada de Drive my car, Misaki era oriunda de Nakatonbetsu, Hokkaido; e em uma cena Murakami descreve que os habitantes dessa pequena cidade costumam jogar cigarros acesos pelas janelas de seus carros. O que parecia apenas uma descrição de liberdade criativa, já que Murakami disse ter escolhido a cidade apenas pela sonoridade do nome, gerou protesto por parte de algumas pessoas da cidade que se sentiram ofendidas. O autor pediu desculpas e mudou o nome da cidade na versão final, no livro, para um fictício.

No segundo conto, Yesterday, acompanhamos um período da vida de Tanimura e Kitaru, dois jovens que se tornam amigos. Kitaru havia criado uma versão em japonês para a letra da música Yesterday dos Beatles. Tanimura passa a acompanhar o drama do amigo em sua relação meio conturbada com a namorada. Em seguida, no conto Orgão Independente, Tanimura, já adulto, volta como protagonista e narra o período em que foi amigo do Dr. Tokai. O narrador-personagem nos conta como Tokai, que tinha o hábito de ficar com tantas mulheres casadas quanto fosse possível, se apaixonou por uma de suas amantes e teve sua vida completamente mudada.

A despeito das muitas referências que permeiam a obra de Murakami, em Sherazade e Samsa apaixonado (assim com em Yesterday) elas já começam pelo título. Na primeira, temos uma mulher casada que trabalha como cuidadora do senhor Habara, com quem mantinha relações sexuais. A mulher, numa versão nipônica da Sherazade de As Mil e uma Noites, sempre contava uma história para o senhor Habara, algo que mantinha certo vínculo entre eles. Já em Samsa apaixonado, acompanhamos o personagem de Franz Kafka em um processo inverso àquele narrado no livro A Metamorfose. O Samsa de Murakami era um inseto e se torna homem, tendo que se habituar a todos os dilemas da vida humana, em meio à guerra. Não bastasse, Samsa se apaixona de cara por uma mulher corcunda, a quem ele sequer tem certeza se verá uma segunda vez.

Kino narra a história do personagem que dá nome ao conto e que também foi traído pela mulher, com um colega de trabalho. Depois disso, Kino resolve sair de casa e abrir um bar ao qual dá seu próprio nome. Quando um homem misterioso aparece em seu bar e diz que Kino precisa viajar pelo Japão sem deixar vestígios, ele simplesmente aceita e vai, mas ao quebrar uma das regras seus temores começam a lhe atormentar. Essa foi a história menos crível, mas ao mesmo tempo mais introspectiva desse volume. Nos faz refletir sobre a inércia que muitas vezes nos deparamos na vida, na nossa e na dos outros. No último conto, que empresta o título ao livro, o protagonista recebe uma ligação no meio da noite. Um homem misterioso liga e diz que precisa avisar que sua mulher morreu, esta mulher que agora estava casada, foi uma namorada do protagonista em sua adolescência e de quem ele não tinha mais notícias havia anos. A notícia faz com que ele se lembre da história que tiveram juntos por um curto período de tempo.

O narrador do último conto aproveita para avisar ao leitor (do sexo masculino) que “um dia, de repente, você vai ser um dos homens sem mulheres”, a demora é só você se apaixonar por uma delas. Logicamente, muitos leitores estarão isentos disso, mas para aqueles a que isso se aplica, todos os contos funcionam como uma boa reflexão. Um detalhe interessante é que Samsa apaixonado não consta na edição original que possui apenas seis contos, um presente aí para os leitores brasileiros (talvez conste em outras edições pelo mundo). No geral, Mulheres sem mulheres pode ser uma leitura rápida, mas para o trabalho recente de um dos favoritos ao Nobel, o livro não empolga tanto como eu gostaria. Se você já gosta do Murakami, leia; se não conhece, talvez você deva começar por outro como 1Q84 ou Norwegian Wood. Como dá para ver, deve-se esperar muitas referências aí, e isso foi uma das poucas coisas que me incomodou em Murakami: as referências, ou melhor, o excesso delas. No mais, valeu a leitura. A edição da Alfaguara, como sempre, impecável.

Nota: 💚💚💚💛💛

Drops

  • O livro é pauta de uma das próximas edições da Revista Neo Tokyo, onde apresento uma nova versão desse texto com estas e outras informações. A revista, especializada em cultura pop japonesa, traz esta e outras dicas de livros, animes, mangás, bandas e muitos mais.
  • Três dos contos que compõem esse volume foram disponibilizados gratuitamente (em inglês) no site do The New Yorker. Confira: Yesterday, Scheherazade e Kino.

Ficha Técnica

Homens+sem+mulheres
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Título: Homens sem Mulheres
Título Original: Onna no inai otoko tachi
Autor(a): Haruki Murakami
Tradução: Eunice Suenaga
Editora: Alfaguara
Edição: 2015 (1ª)
Ano da obra / Copyright: 2014
Páginas: 240
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Leia um trecho: AQUI
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8 comentários

      • Olá Ademar. Não tive oportunidade de ler ainda nenhum livro dele ainda, embora esteja super curioso para ler 1Q84, só falta tempo. Esse autor é sempre indicado ao Nobel, por isso mesmo não tenho dúvida de que ele seja bom. Ótima dica, esse de contos também vai pra minha lista. Valeu!

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  1. Gostei do conto Drive my Car. Acho tão tosco esse conceito de que mulher no volante é um perigo constante, sabe? Se fosse verdade, o seguro de carro para as mulheres não seriam 30% mais baratos. ^^
    Parabéns pela resenha Ademar.
    Confesso que não ficaria interessada no livro pela capa, mas pelo o que você apresentou, ele seria um belo exemplar para o clube. ^^

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