Conselhos para não serem seguidos, de Eric Novello

Sobre a escrita

1. “Comece colocando alguma coisa – qualquer coisa – no papel.”

Quem disse isso foi Anne Lamott, que eu não conhecia até ver esse conselho no Advice To Writers, um dos perfis que sigo no Twitter. Vocês podem espiar na Wikipédia quem é a nossa amiga. Ela tem um livro de dicas de escrita, veja só, entre outros numa linha sempre biográfica. Aposto que um dos conselhos é aprender a pesquisar. O importante é que segui o conselho dela para começar esse texto que será… suspense… sobre conselhos de escrita. Acho que o título estragou o suspense. Títulos, aliás, são uma ótima ferramenta de manipulação do leitor, um bom assunto para uma oficina de escrita qualquer hora dessas.

Para ser sincero, estou ali no 50/50 com o conselho da Anne Lamott. Acho que o que ela quis dizer é que se não começar a escrever, você nunca terminará nada. E, aqui entre nós, de vez em quando vem gente falar comigo e “ah, eu também sou autor, só não escrevi nada ainda”, o que é bastante estranho. Para piorar, só quando emendam com o “porque sou uma pessoa muito ocupada.”

Escrever - New Girl

Coloque no papel sim. Mas pense antes sobre o texto, sobre o fio condutor da história, e se prepare para jogar alguns começos fora. Depois de descartar 10 começos de +/- 30 páginas da continuação do Exorcismos, achei melhor escrever outra história e adiar a outra dose de blues por um tempo. Melhor decisão desde que abandonei a profissão de farmacêutico muito tempo atrás, numa galáxia distante.

2. “Não leve o conselho de nenhum autor a sério demais.”

Esse é cortesia do Lev Grossman. Ele tem um livro estranhíssimo chamado The Magicians, com o mesmo humor irônico do conselho. O livro, que no Brasil se chamou Os Magos, ganhará pelo menos uma temporada para a TV pelo SyFy, e possui duas continuações. Basicamente o cara pega a ideia de escola de magos do Harry Potter e mistura com o Kids, do Larry Clark, que também escreveu e dirigiu Ken Park. Ou seja: drogas, sexo e tal. Os filmes do Larry Clark nunca recebem notas muito boas, tudo ali em torno do 6, mas se você quer aprender a escrever sobre juventude problemática, o moço é aula obrigatória.

Ah, sobre o conselho do Lev Grossman, é bom não se levar a sério, pelo menos de vez em quando. Inclusive no livro. Lembro de um momento da escrita de Exorcismos, Amores e Uma Dose de Blues em que tive um ataque de riso um tanto deprimente. É uma cena no Entremundos, uma das cidades mágicas do meu magoverso, e os dois protagonistas começam a correr de ratos famintos depois de terem dizimado um grupo de velhinhas e cinéfilos. Lembro de virar para o lado aqui no escritório e falar “o que eu tô fazendo da minha vida?” Mas é uma das minhas cenas favoritas, podem ter certeza.

David Tennant 1

3. “A primeira pessoa que você deve pensar em agradar ao escrever um livro é você.”

A Patricia Highsmith, responsável pela frase, é uma linda. Carol, filme com a Cate Blanchett e a Rooney Mara que deve concorrer a todos os prêmios possíveis em 2016, é adaptação de um livro dela. Prestem atenção nele porque será bom, não tenho dúvidas. A tia Highsmith, adivinhem só, também tem um livro de dicas de escrita, um bem curto que eu nunca li inteiro, mas que aconselho mesmo assim. O grande sucesso dela, se você não faz ideia, é o personagem Ripley, que gerou cinco livros e um monte de adaptações para o cinema. O Ripley é aquele cara bonzinho, cheio dos agrados, que é meio camaleão, se adapta a qualquer ambiente e, bem, mata todo mundo. O Dexter antes do Dexter, sem o humor negro.

O conselho que ela dá é muito bom e veio em boa hora, porque eu não aguentava mais citar a Björk dizendo que “quanto mais egoísta for o artista, mais o público irá agradecer depois.” Depois que ela deu um socão num jornalista, fiquei meio reticente de usar a citação, então está aí a da Patrícia Highsmith, dama absoluta da literatura noir, assumindo o lugar.

Eu tenho a minha interpretação das palavras dela, mas se eu colocá-la aqui estarei estragando a sua interpretação e indo contra o conselho dela, então vamos para o próximo.

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4. “Você precisa ter em mente o que é interessante para você como leitor, não o que é divertido de fazer como escritor. Essas duas coisas podem ser muito diferentes.”

Essa veio da Emma Coats. Na época ela trabalhava na Pixar e escreveu as 22 regras criativas da Pixar. Depois ela virou freelancer, então tire suas próprias conclusões. Mas é um texto que vale a pena procurar no Google quando possível, e eu também sou freela, só para esclarecer. Aliás, ela tem um tumblr largado há um ano, e o último post dela merece ser lido, traduzido e postado por aí em algum canto.

Como você deve ter imaginado, a dona Emma não veio depois do conselho da Patrícia Highsmith por acaso. Eu gosto muito da ideia de que devemos escrever o que gostaríamos de ler. Não existe guia melhor do que esse na hora de escolher qual a próxima história a ser levada ao papel. Mas é interessante olhar além da ingenuidade de vez em quando. Qual o tema mais relevante para a sua época? Como a sua história dialoga com o que você está vivendo? É algo que mexe contigo ou só segue a escola de best-sellers para entrar na lista dos mais vendidos? E, vamos lembrar, também existem os livros sob encomenda, que atendem ao deus mercado e a mais ninguém.

5. “O que você deixa do lado de fora diz tanto quanto as coisas que você inclui. O que existe além da margem do texto?”

Sobre a escrita 2

A Jeanette Winterson ficou famosa já no seu primeiro livro, Oranges are not the only fruit, que fala de uma lésbica indo da adolescência para a vida adulta e tendo que lidar com a família. Em 2011 ela lançou Por que ser feliz quando você pode ser normal?, um livro de memórias. Imagino que o título seja irônico, embora a ironia tenha se tornado uma arte perdida. O conselho dela eu ouvi antes, na escola de cinema. É um dos ensinamentos mais fodões que carrego comigo e vou dividi-lo aqui em dois: A. O que acontece fora da tela tem impacto. Às vezes a reação de um personagem transmite muito mais ao leitor do que visualizar o acontecimento em si. B. Importante saber o que colocar no papel. E muito importante saber o que tirar. Aquela lapidada final pode criar livros completamente diferentes.

6. “Nunca confunda movimento com ação.”

Esse do Ernest Hemingway é bem técnico e direto ao ponto. Muitos filmes antigos traziam isso, pessoas sempre se mexendo. Mudando de lugar na cena, pegando um copo, olhando uma janela, coisas que não tinham a ver com o drama em si, estavam lá apenas para criar movimento, uma técnica que deve ter sido herdada do teatro. Mas é só uma suposição, não sei ao certo.

Na literatura, tem muito autor iniciante que cai nessa, principalmente em cena de diálogo. Ergueu a xícara, espanou a camisa, ajeitou a gravata, puxar o elástico da calcinha, atravessou a sala. Os personagens falam e se mexem como se estivessem com pulgas ou tivessem um fogo no rabo eterno, o que não é legal.

7. “Dar o melhor de si não significa ter mais trabalho.”

Esse é meu. Se nunca ouviu falar de mim, dê um pulo no meu site e uma xeretada no meu Twitter. Já comentei em alguns podcasts e volto a reforçar: só porque você suou até a última gota para escrever seu livro, não significa que ele seja bom. Isso pode ser notado ao longo de um mesmo livro, inclusive. Tem cenas que a gente escreve numa tarde sem nem piscar e elas se tornam as preferidas do leitor, enquanto outras que tivemos um trabalhão, meses mexendo para ficarem perfeitas, são completamente ignoradas. É claro que existe a outra combinação também. A cena de sexo de Exorcismos, Amores e Uma Dose de Blues foi escrita e reescrita indefinidamente, deu um trabalho imenso, e a maioria dos leitores se sente impactado por ela. É só que, bem, você entendeu, estou desmontando a causa e consequência.

Caco Escrevendo

8. “Termine o que estiver escrevendo. Seja lá o que for preciso fazer para terminar seu texto, termine de uma vez.”

Essa é clássica, do Neil Gaiman. E quem sou eu para discordar. Começar pode ser difícil, mas ainda é infinitamente mais simples do que terminar um livro, ou um conto que seja. Escrever, muitas vezes, se parece com correr uma maratona. Acho que foi o Murakami que disse isso. Particularmente, eu prefiro o trabalho do Neil Gaiman. Sandman foi um grande companheiro numa época conturbada de faculdade, e Coraline é um dos meus livros favoritos. Sem falar de Deuses Americanos, aquele tijolão que ganhou uma versão tijolaço em comemoração aos dez anos. No começo de 2015 decidi ler o tijolaço para comparar com a versão original e tô sofrendo, o que nos lembra que uma boa edição é fundamental. Um conselho que eu deixo para o querido Murakami, um cara de boas ideias com execuções macarrônicas. Mas parece que eu me perdi e esqueci o que ia dizer nesse tópico. Assim sendo, terminamos por aqui. Abra aquele arquivo parado há seis meses e faça o mesmo, combinado?

Autor Convidado

Eric Novello é autor, tradutor e exorcista. Em 2014 lançou Exorcismos, Amores e Uma Dose de Blues, uma fantasia noir. Seu próximo livro, Deus Contra Todos, sairá em 2016. Coleciona cactos e suculentas, tem um maine coon chamado Odin, e não dispensa uma luta de Mortal Kombat ou um rolezinho em Arkham.

5 comentários

  1. Parabéns pelo texto, isso ajuda muito quem está cheio de dúvidas (como eu) se o caminho que está seguindo está certo ou não =D

    Em relação ao ponto 3: Estou num momento em um conto que escrevi onde estou tentando decidir se tento transformá-lo em um livro ou deixar no formato que está (que é o que mais me agrada);
    Já o 6 é uma confirmação do que eu já acredito há muito tempo. Existem autores que escrevem 6 livros que acabam virando série de televisão onde boa parte do livro são detalhes que não tem relação com o enredo (prevejo agressões verbais contra mim).

    Agora vem a pergunta. Depois que eu li Cheiro de Suor eu queria muito que o conto fosse na verdade um livro gigantesco. Já aconteceu contigo de um conto ter corpo pra se tornar um livro e você preferiu deixar como conto mesmo?

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  2. Pelo jeito ninguém, nem o próprio Eric, consegue falar de Exorcismos sem falar da Cena de Sexo. Acho que ela ficou tão marcada que merece letras maiúsculas assim mesmo: A Cena de Sexo.

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  3. “Escrever, muitas vezes, se parece com correr uma maratona. Acho que foi o Murakami que disse isso.” Sim! Ele escreveu um livro sobre isso chamado “Do que eu falo quando falo de corrida”. (que por sinal é maravilhoso!)

    E que belo texto, Eric!

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  4. Seu texto realmente me deu vontade de abrir novamente uma pasta que coincidentemente está guardada há uns 6 meses mesmo, hahahaha
    Esse ano eu estou objetivando ler Sobre a Escrita, do mestre Stephen King. Sou muito fã dele, espero ele seja a motivação que eu precise pra botar as minhas escritas pra andar. 🙂

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  5. Quando você falou dos personagens se movendo o tempo todo me lembrei do último livro que li, As Esganadas, do Jô Soares. Ele usa muito isso. Quando escrevi a resenha sobre a história lá no blog (http://achandohistorias.com/2016/01/31/as-esganadas-livro-resenha-critica/), comentei que esse tipo de narrativa me incomodou um pouco e certamente me lembrou um roteiro de teatro. Quanto às dicas, gostei bastante. Sempre quis escrever uma história, mas ainda não tomei coragem.

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