Deus no Divã

Alguns autores surgem no meio literário com propostas muito boas em seus livros. Alguns falam diretamente ao público, outros são mais metafóricos e se usam da ficção para nos fazer refletir sobre determinado assunto. Taty Ades parece fazer parte do segundo grupo, leitor bom é aquele que pensa por si só, essa é a impressão que se tem ao ler seu Deus no Divã (2010). A inovação aqui não está apenas na abordagem, mas também na forma como a autora conta a história. Ela usa da ficção para nos expor algo do nosso cotidiano que nos deixa com a “pulga atrás da orelha”, mas que não podemos responder sem pensar. Então poderia se dizer que é ficção, ou apenas um eufemismo da vida real?

O livro logo de início já nos prende pelo fato de ser narrado pelo Diabo (ou Lúcifer, Asmodeu, Azazel, Satã, Belzebu e Quaset, como preferir). Esse narrador excêntrico me remete ao mesmo ato de Markus Zusak, ao colocar a morte como a narradora do seu A Menina que Roubava Livros. Quem ler a primeira página irá além do final em apenas algumas horas de leitura, porque além de o narrador ser esse personagem tão conhecido (de nome) os motivos, que ele usa para sua narrativa, deixam qualquer um no mínimo curioso. Segundo ele, Deus (seu fiel antagonista) está diagnosticado com distúrbio bipolar de humor, ou melhor dizendo, está entrando em estado profundo de depressão por conta dos atos insanos que os humanos fazem em seu nome.

O relacionamento dos dois não é movido apenas pelo antagonismo, no fundo no fundo eles parecem ser amigos também, um pensa no outro, talvez apenas por benefício próprio, mas pensa. Ajudar o outro para benefício de si pode até ser a intenção do Diabo, mas ele reconhece que um não pode “viver” sem o outro e as atitudes (humanas demais) dos dois permite ver que eles não estão sempre em é de guerra. O livro pode parecer uma afronta aos religiosos por colocar esses personagens em um patamar de certa igualdade (e humanidade), mas peço que não julguem o livro pela forma como a autora coloca as ações, se tudo é metafórico não se pode exigir fidelidade ou favoritismo ideológico.

Deus no Divã (Novo Século, 140 pág.) é dividido em várias partes, na verdade ele não é muito linear na narrativa. O Diabo nos faz viajar por vários momentos da história passada, presente e futura (meramente imaginada), e também nos permite conhecer figuras ilustres, colocando-as em situações não convencionais de suas vidas. Essa é a melhor parte do livro, que não se torna enfadonho, pois muda de personagem, tempo e espaço a cada capítulo. Alguns personagens entram na história e se seguram como Ana, que tem um papel importante logo no início e no desenrolar da história. Mas figuras como Hitler, Joana d’Arc, Gandhi, Elizabeth Bathory, Gengis Khan, Mao Tsé-Tung e Stalin também fazem uma pontinha de aparição no enredo. Mas destaco aqui a cena onde o Diabo reúne Platão, Nietzsche, Victor Hugo, Balzac, Vladimir Nabokov, Clarice Lispector, Beethoven, Virginia Woolf, Salomé e o Profeta João Batista para um debate sobre o amor, a cena impressiona não só pelas presenças, mas também pelos diálogos (tirados das obras de cada um).

Além de tudo isso Taty Ades põe em discussão também uma (já prevista) Terceira Guerra Mundial, o fim do mundo e os rumos espituais que a humanidade está tomando. Além de escritora Taty é dramaturga, teatróloga e produtora cultural. Esse não é seu primeiro livro e nem a primeira vez que resolve falar do subjetivismo do comportamento humano. O livro apesar de pequeno carrega uma bagagem de conteúdo que vai fazer cada um repensar suas primeiras impressões. A obra é repleta de referências e ainda trás uma minibibliografia para os mais curiosos. O humor e a ironia estão presentes em quase todas as cenas, tornando a leitura ainda mais agradável e fluente

Deus no Divã é excelente e merece uma, duas ou três leituras, para que se possa pensar uma, duas ou três vezes sobre esse assunto. Mais que uma obra psicológica, filosófica e sociológica, é um quase retrato da vida real, pelos menos para alguns. Até os mais céticos quanto aos personagens passarão pelo prazer da reflexão. Mais que recomendo (a todos)!

6 comentários

  1. ótima crítica , concordo em gênero e grau , o livro é devorado de tão delicioso que é , dá vontade ler e reler ,além de trechos aonde a risada rola solta.
    A reflexão está presente em cada palavra e frase , ótimo para pensarmos o que estamos fazendo desse mundo , não estamos destruindo tudo?
    Concordo com o crítico, a melhor cena é a do banquete de Platão.
    Abs
    Diego

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