O Grito, de Wilson Costa

O Grito

[…], mas não se iludia, sabia que na sociedade as diferenças não são respeitadas como um direito do próximo, uma vez que ela é elitista, egoísta e individualista e que, com raríssimas exceções, poucos são solidários.
Wilson Costa, O Grito, pág. 12.

Conheci o Wilson Costa através de uma amiga minha. Ela é espirita e estava lendo algumas obras cujos protagonistas eram homossexuais. Dentre as indicações dela estavam O Preço de ser Diferente, que já havia lido (tem até resenha AQUI), Um Amor Diferente, de João Alberto Teodoro ‑ pretendo lê-lo o quanto antes ‑, e O Grito, do qual falarei agora. Mas antes de seguir com o texto, gostaria de mencionar que independente das doutrinas ou dogmas religiosos, limitar-me-ei às características pertinentes ao romance em si e não tenho intenção nenhuma de convencer ninguém a seguir (ou não) a doutrina espírita ou qualquer outra religião.

Em O Grito, acompanhamos a trajetória de dois casais. O primeiro, Fausto e Arturo, se conhecem ainda na adolescência durante um tratamento psicológico. Cada um possui um problema de origem familiar ímpar, mas por conta deles se tornaram reclusos e reagiram aos mesmos através da fala (digo, parando de se comunicar verbalmente). Como eles não se comunicavam, o tratamento estava sendo dificultado, onde foi nesse ponto onde os psicólogos acreditaram que juntos os dois poderiam se ajudar e progredirem no tratamento. E foi isso que aconteceu, os dois estranhos passaram a conviver e uma amizade surgiu, ganhando proporções maiores e chegando ao amor.

Já o segundo casal, Sara e Anita, se conhecem no metrô em um dia chuvoso. Tudo começou numa daquelas conversas com estranhos para passar o tempo, até que elas perceberam que não eram tão estranhas assim ‑ uma para a outra. Anita é acadêmica de medicina e frequentemente faz ligações para a empresa de medicamentos em que Sara trabalha. Imediatamente Anita reconheceu a voz de Sara, quem sempre lhe atendia, e uma amizade surgiu (assim como no casal anterior).

Autor Wilson Costa
Autor Wilson Costa

Devo confessar que achei bem audacioso da parte do autor trazer duas histórias centrais extremamente complexas. Como pode ser observado, não são apenas cada casal e seus problemas atuais, mas também suas vidas passadas recheadas de histórias. A quantidade de histórias paralelas deixa o leitor um pouco confuso no começo, mas nada com que não nos acostumamos, pois temos: Fausto e Arturo, e sua família (Álvaro, Rangel, Adalberto e Eloísa); os médicos e amigos do casal, entre eles Sotero e Nestor; Milla e Clóvis, um casal de espíritos que está na terra para realizar uma vingança; Sara (e sua irmã Helena) e Anita, e sua pequena e complexa família, sua mãe Dona Albertina e o primo, Alencar; além da vida passada desses personagens, vividos na Espanha no período da caça as bruxas, protagonizado por Berna e sua prima Michele, o bispo Solano e Oto (pretendente de Michele).

Apesar de parecer uma grande confusão, o autor consegue conduzir as histórias de forma magnífica. Assim, o desfecho consegue contemplar todos os personagens, dando um “fim” merecido (ou não) a cada um deles. Incrível também como se dá a ligação das histórias, deixando a narrativa envolvente e ao mesmo tempo emocionante.

Uma das vantagens de se ler um livro espírita é que apesar de sermos apresentados à histórias fantásticas e personagens bem construídos (digo isto principalmente considerando os livros que já li), também podemos aprender um pouco mais sobre a doutrina e a forma de pensar e agir dos seus seguidores. O autor teve uma preocupação em trazer fontes para as falas dos personagens (citações diretas e notas de rodapé), o que deixa o texto mais embasado e consequentemente com “dicas de leitura” para quem desejar estudar mais sobre as temáticas abordadas.

A postura do autor (e consequentemente da doutrina) sobre a homossexualidade é bem interessante. Pois, diferente das demais religiões, não há julgamento, mas sim uma reflexão de quem é esse sujeito dentro da sociedade em que vive, seja ele homossexual ou não. Como a citação a seguir mostra:

Um indivíduo homossexual é um ser humano como qualquer outra pessoa, deve agir dignamente para que na família e na sociedade possa ser respeitado, ser aceito nos seus direitos, isto é, se cumprir com seus deveres. Diante de Deus não há, portanto, superior nem inferior entre os humanos. (pág. 159)

Sobre a diagramação, devo dizer que ela é bem pensada e confortável. O texto foi bem revisado, visto que não foi identificado nenhum erro ortográfico. No entanto, um detalhe me incomodou bastante: a disposição das falas. Em certos momentos, as falas iniciadas por hífen, mesmo na sequencia, são ditas pela mesma pessoa. Assim, até que você se acostume, fica confuso sobre quem está falando. No caso de uma segunda edição, sugiro que o autor tenha a preocupação de colocar as falas continuadas entre aspas ou com outra formatação a fim de identificar.

No mais, a trama é empolgante e bem construída. A leitura é enriquecedora. Recomendo!

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Ficha Técnica

O GritoTítulo: O Grito
Subtítulo: Uma História de Amor e Preconceito
Autor(a): Wilson Costa
Editora: EBM
Edição: 2013 (1ª)
Ano da obra / Copyright: 2013
Páginas: 376
Skoob: Adicionar
Sinopse: De forma direta, clara e sem rodeios, dentro de uma visão espiritualista, a obra narra a trajetória de vida de Arturo e Fausto, Sara e Anita, dois casais que por caminhos distintos enfrentam, em razão de sua opção sexual, conflitos com a sociedade, suas famílias e com seus próprios medos. Determinada região da Europa é o cenário onde Anita e Sara, primas, naquela época, viviam sob o jugo da maldade e das ações do Bispo Solano, religioso que sob as vestes bispais pregava uma prática monástica e celibatária quando no coração queimavam os desejos da carne e do sexo. Problemática similar vivém Clóvis e Milla, em outro segmento de vida, tentando, nas condição de espíritos desencarnados, atingir Rangel, pai de Arturo, e Sotero, professor e protetor de Fausto. A trama, tangenciada por sentimentos de intolerância, preconceito e vingança, igualmente se encontra balizada pelo sentimento de amor, adivindo do mundo espiritual, que se perfaz pelo exercício do perdaão e da reconciliação. Um romance que prende sua atenção desde o primeiro capítulo, quando cenas do passado e do presente se intercalam criando uma visão de como as situações e vivências acionam o comportamento do ser humano, modificando sua natureza, e como a vida ativa a engrenagem que possibilita ao homem incorporar o seu processo incessante de evolução, independentemente de credo, cor ou orientação sexual.

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6 comentários

    • Eu sempre opto pelo pelo termo orientação, mas em uma parte especifica do livro precisei usar o termo opção e expliquei ” A consciência doada ao homem é dividida em inteligência e livre-arbítrio, todos os espíritos vêem a terra ou a outros mundos com uma programação de vida a cumprir e desempenhos definidos, mas, quando submetidos pelas condições citadas de repetidas encarnações em um dos sexos, e estando envolvidos ainda pelas circunstâncias, em que se apresentam diante de si pode sucumbir nas suas atribuições, tomando rumos que não foram os propostos e combinados. Assim pelos registros de muitas vidas em uma condição de homem, ao se ver num corpo feminino, ou vice-versa, não aceitar essa nova condição. Pelo livre-arbítrio pode decidir optar pelo que sugere os seus registros impregnados na alma, usando os seus desejos de força sexual para uma ou outra orientação, e inadvertidamente, muitas vezes, descumprindo os papéis e as missões a que se propuseram. De forma lógica advêm em atraso no seu avanço evolutivo, enfim, a decisão sempre é do Espírito.” Assim tudo o que somos hoje, são o conjunto de nossos atos e escolhas, em ultima análise somos o que somos por opções nossas de escolhas de caminhos e de vivências, mas não é termo que define o que somos, o que você é é mais importantes, abraços

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